Mas, afinal, por que tanto temor pela Juatinga? "Essa ponta pega! "explica Ico Cilento. "Acho que 80% das vezes que passei por ela, ou foi desagradável ou um verdadeiro sufoco. Na única oportunidade em que passei por ali numa lancha, uma 43 pés de um amigo, fomos "presenteados" com tanta onda em cima que quebrou o pára-brisas. Pior: o púlpito de proa foi arrancado com âncora e tudo. Quando finalmente conseguimos entrar na Baía da Ilha Grande, o alívio foi geral." Por essas e outras, Ico é taxativo: "Eu recomendo: em caso de tempo ruim, não se arrisque. Desista enquanto é tempo! Aquilo é um pedaço nojento de mar."

Mas será que, de fato, existe risco tão grande assim para a navegação na Juatinga? Para pescadores e iatistas que costumam se reunir no píer de Parati, o lugar é mesmo de meter medo. O pescador Pedro dos Remédios Santos, 33 anos, morador na Praia do Cairuçu, costuma dobrar a Juatinga duas ou três vezes por semana. Pelas suas contas, já afundaram pelo menos nove barcos de pesca na região. O último foi o Herói do Mar. A tragédia ocorreu numa noite clara sem lua, em fevereiro último.

"Parece que o farol da Juatinga apagou por falta de energia", lembra Pedro. "A traineira acabou se chocando com a costa e afundou em poucos minutos." O saldo: salvaram-se cinco pessoas, morreram seis. Segundo Pedro dos Remédios, a Juatinga é perigosa mesmo em dia de tempo bom. Ele fala por experiência própria. Certa feita, foi salvo de afundar. "Depois de sentir o problema na pele, passei a respeitar mais a ponta", confessa. "Acho que o problema são as ondas que levantam altas e, depois de bater no costão, voltam para o mar, encontrando as novas que entram. O mar desencontrado, mais o vento que sopra da Baía da Ilha Grande para fora e alguma correnteza deixam o mar da Juatinga sempre bravo. O melhor é passar o mais afastado possível da ponta."

 

Ponta da Juatinga

Reportagem publicada na
Revista Náutica número 96
de autoria de Luiz França

 

 

 

 

Ponta do Juatinga. Conhece? Fica logo ali, na extremidade oeste da Baía da Ilha Grande (RJ) Segundo o roteiro da Marinha, é "uma elevação de pedra que se lança mar adentro, bastante proeminente, com um farol que emite luz (sic) na altitude de 175 m". A Juatinga não tem hotel, não tem shopping center, nem marina e tampouco iate clube. Mesmo assim, é um dos lugares mais comentados nas rodas dos navegadores paulistas e fluminenses.

A popularidade já lhe rendeu diversos apelidos. Há quem a chame de "Enjoatinga"; outros, de "Tchuá-atinga". Esses nomes acabam suavizando a fama da Juatinga; uma fama que, na realidade, impõe mais respeito do que ironia. Quase todo navegador da região tem alguma história sobre o lugar. Nelas, a Juatinga costuma aparecer como se tivesse vida própria. Mais do que isso, como se sentisse prazer todo especial em atrapalhar a vida dos navegantes. O curioso é que tais relatos não partem, como seria de se supor, de simplórios pescadores, mais susceptíveis aos mistérios do imponderável. Até mesmo Amyr Klink, navegador brilhante, enxerga algo de estranho no ponto que, na frieza das cartas náuticas, é só um acidente geográfico. No livro Entre Dois Polos, ele trata a ponta por "Cabo Horn"paratiense" e afirma que, em sua viagem à Antárdida, foi mais difícil passar pela Juatinga do que enfrentar o estreito de Drake.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Beleza, com se vê, não falta. Mas, tal como as femmes fatales do cinema, a Juatinga parece ser tão atraente quanto perigosa. Histórias de mistério não faltam mesmo. Com a palavra o jornalista Juan Gomes, de Ubatuba: "Numa passagem por lá, naveguei o dia inteiro a motor, pois não havia uma única brisa para ajudar o meu veleiro. Quando faltavam 200 m para chegar na Juatinga, entrou um vento forte na "contramão", de uns 25 nós. Passando a ponta, outros 200 m adiante, voltou a calmaria absoluta, que durou até que ancorei em Parati. Vai entender..."

O engenheiro civil Luiz Dancini, 37 anos, também tem a sua história de mistério na Juatinga. Em 1984, ele trabalhava com entrega de barcos e voltava de Angra dos Reis para Santos a bordo de um veleiro Fast 345, sem instrumentos. "Às 5 da tarde, o tempo fechou de uma hora para a outra e não consegui mais achar a Ponta da Juatinga, embora procurasse feito um doido, recorda Dancini. "O nevoeiro era tamanho que não deu para ver o farol. Assim, o barco ficou à deriva pela noite adentro. De manhãzinha, fui descobrir que, poir ironia, eu estava bem ao lado da Juatinga.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Até mesmo os mais céticos reconhecem a dureza de navegar na Juatinga. O projetista de barcos Roberto de Mesquita Barros, o Cabinho, é um deles. "A passagem por ali é sempre demorada", diz. "Seja de um lado ou de outro. Ainda bem que a paisagem ajuda." Há quem pinte esse quadro com cores mais sinistras. "O trecho de mar entre a Juatinga e a Negra é simplesmente terrível", define o empresário Ico Cilento, 47 anos. Ex-proprietário de vários barcos, ele prefere agora alugar um veleiro em Parati. "Além de ficar mais barato, evita as travessias que fazia do litoral paulista para o carioca, com a maldita Juatinga no meio do caminho", explica.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Mas, afinal, por que tanto temor pela Juatinga? "Essa ponta pega! "explica Ico Cilento. "Acho que 80% das vezes que passei por ela, ou foi desagradável ou um verdadeiro sufoco. Na única oportunidade em que passei por ali numa lancha, uma 43 pés de um amigo, fomos "presenteados" com tanta onda em cima que quebrou o pára-brisas. Pior: o púlpito de proa foi arrancado com âncora e tudo. Quando finalmente conseguimos entrar na Baía da Ilha Grande, o alívio foi geral." Por essas e outras, Ico é taxativo: "Eu recomendo: em caso de tempo ruim, não se arrisque. Desista enquanto é tempo! Aquilo é um pedaço nojento de mar."

Mas será que, de fato, existe risco tão grande assim para a navegação na Juatinga? Para pescadores e iatistas que costumam se reunir no píer de Parati, o lugar é mesmo de meter medo. O pescador Pedro dos Remédios Santos, 33 anos, morador na Praia do Cairuçu, costuma dobrar a Juatinga duas ou três vezes por semana. Pelas suas contas, já afundaram pelo menos nove barcos de pesca na região. O último foi o Herói do Mar. A tragédia ocorreu numa noite clara sem lua, em fevereiro último.

"Parece que o farol da Juatinga apagou por falta de energia", lembra Pedro. "A traineira acabou se chocando com a costa e afundou em poucos minutos." O saldo: salvaram-se cinco pessoas, morreram seis. Segundo Pedro dos Remédios, a Juatinga é perigosa mesmo em dia de tempo bom. Ele fala por experiência própria. Certa feita, foi salvo de afundar. "Depois de sentir o problema na pele, passei a respeitar mais a ponta", confessa. "Acho que o problema são as ondas que levantam altas e, depois de bater no costão, voltam para o mar, encontrando as novas que entram. O mar desencontrado, mais o vento que sopra da Baía da Ilha Grande para fora e alguma correnteza deixam o mar da Juatinga sempre bravo. O melhor é passar o mais afastado possível da ponta."

Um marinheiro acostumado com a Juatinga é Ednilson Santos de Laranjeiras. Ele costuma levar barcos da marina de Laranjeiras para passeios e pescarias pela região da Negra-Juatinga. Edinilson admite que é "jogo duro", mas ressalva que vale a pena correr o risco. "É um dos melhores pesqueiros que conheço", indica. "Todo esse costão, da Juatinga até a Negra, é farto de peixe. Só que nem sempre dá pra corricar. Além de arriscado, geralmente é muito agitado e, mesmo quem está acostumado, pode enjoar.

Mas há quem aprecie e muito a Ponta da Juatinga. Do lado de dentro, protegida da arrebentação e dos ventos do sul e do sudoeste, existe uma comunidade caiçara que sobrevive da pesca. "É um povo hospitaleiro demais que recebe bem até pelo fato de estar tão isolada", atesta o navegador Aloysio Gomes Carneiro, autor da série Guia Mar. Os moradores da comunidade costuma visitar de canoa, todos os dias, um cerco localizado na enseada da Juatinga, no lado oposto da ponta, voltado para a Negra. Para isso, o caminho da roça é atravessar a Ponta da Juatinga diariamente, ida e volta, em frágeis canoas a remo.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Leontino de Jesus e sua mulher, Maria da Graça, gostam de viver assim. Para eles, a Juatinga nada tem de misterioso. É só o lugar onde ganham o pão – e o peixe – de cada dia. "Não vejo nenhum problema de passar pela Juatinga", dá de ombros Leontinho. "A gente tem apenas que ir na hora certa e não abusar, respeitar o mar. Aqui tem muito peixe, principalmente enchovas e bonitos."

Bela e maldita. Assim é a Ponta da Juatinga, um pedaço de mar que todo navegador orgulha-se de um dia ter percorrido. E quem ainda não conhece anseia de fazê-lo. Pelo menos, para sentir o gostinho da aventura,

 

 

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